Quem hasteou a bandeira do Benfica europeu tem obrigação de explicar o que foi esta Liga dos Campeões

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Nenhum benfiquista pode estar satisfeito com aquilo que a equipa fez nos últimos dois anos na Liga dos Campeões, e esta insatisfação não se resume aos resultados muito negativos, alarga-se à postura da equipa em muitos dos jogos, às escolhas do treinador para os onzes iniciais. Não estou a falar de discutir se o André Almeida devia ter jogado num determinado jogo, ou se o Pizzi devia ter ou não sido titular. É muito mais do que isso. A forma como o Benfica tem entrado sucessivamente em campo nas competições europeias, as formações escolhidas não batem certo com o discurso do Presidente que sucessivamente, ano após ano, levanta a bandeira do Benfica europeu. O Benfica que se tem visto nos últimos anos é tudo menos um Benfica europeu, é um Benfica que parece que encara a Liga dos Campeões como a Taça da Liga, em que o que importa é rodar a equipa, poupar os melhores, porque vêm aí competições mais importantes, como a Liga Portuguesa. Nem mesmo nos jogos em que não há outra hipótese que não ganhar, como este último em Lyon, a equipa escolhida é aquela que todos percebem ser a melhor, a mais competente, a mais capaz.

Em jogos de grande responsabilidade, é normal que os jogadores mais experientes, mais batidos nestas coisas, tragam solidez, calma, paciência, consistência à equipa. E é normal que os jovens sintam estes jogos com ansiedade mas também irreverência, uma oportunidade única. Logo — e basta olhar para qualquer grande clube europeu — o ideal é sempre levar a jogo uma equipa que mistura a experiência de uns com a irreverência de outros. Normalmente é a chave para se ganharem jogos, para se ir longe numa competição como a Liga dos Campeões. E o que é que o Benfica tem feito? O contrário disto. Os experientes ficam de fora, os miúdos vão a jogo, e os resultados têm sido o que está à vista de todos.

O jogo desta terça-feira em Lyon deixa dúvidas atrás de dúvidas a todos os adeptos. E este é o grande problema: ninguém explica. O treinador não explica (ou explica, mas não convence), o Presidente não explica, e assim ninguém entende. Não se pode hastear a bandeira do Benfica europeu e depois, na Europa, deixar os mais experientes de fora. Quando nem sequer há grande razão para isso. Mas vamos a factos, pegando neste jogo de Lyon.

Pizzi. Como é que Pizzi, o jogador mais influente do Benfica, com 30 anos, muita experiência, internacional, com uma série de jogos internacionais nas pernas, fica de fora num jogo que o Benfica tem de ganhar? Foi titular em casa com o Rio Ave, ficou de fora em Lyon. E muito provavelmente vai ser titular contra o Santa Clara. Qual é a mensagem que passa? Que o importante é a Liga Portuguesa, evidententemente. E não há mal nenhum que assim seja, só é preciso que isso seja assumido, para que não se criem expetativas deslocadas da realidade, para que ninguém se sinta defraudado e toda a gente perceba o que está a acontecer.

Como é que André Almeida, 30 anos, experiente, internacional português, sólido a defender, um jogador feito, é titular frente ao Rio Ave e não é opção para jogar em Lyon? Tal como Pizzi, muito provavelmente vai ser titular nos Açores no sábado. Qual é a mensagem que passa? A aposta é a Liga Portuguesa, a Champions é para outra coisa.

Como é que Samaris não é sequer convocado para a deslocação a Lyon? 30 anos, internacional, experiente, com muitos jogos europeus nas pernas, e ainda por cima um jogador manhoso, inteligente, que sabe ler os adversários e segurar a equipa contra equipas fortes. Mas não serviu para Lyon. Provavelmente vai servir para sábado, frente ao Santa Clara, ou nem isso.

Mas isto são só escolhas individuais, podemos falar de opções táticas, também. O Benfica vai a Lyon a precisar de ganhar. Para ganhar, tem de marcar golos. E onde é que está o grande goleador do Benfica? No banco. A jogar só com um avançado fixo, Vinicius, era importante o Benfica ter em campo médios com capacidade goleadora, bons a finalizar, que, taticamente, consigam aparecer em zonas de finalização. Cervi ainda não marcou este ano, Gedson terá marcado um ou dois golos nos anos de sénior que leva de Benfica (este ano está a zeros), Gabriel, nada, zero golos, Florentino zero golos, resta Chiquinho, um jogador móvel, que andou sempre longe da zona do golo, e que este ano marcou por duas vezes. É pouco, muito pouco. Viu-se o que aconteceu quando Bruno Lage decidiu jogar à bola, jogar para ganhar, colocando dois avançados (com Seferovic ao lado de Vinicius) e Pizzi para os servir. A equipa começou a jogar, a criar perigo, a aparecer em zonas de finalização, marcou um golo e reentrou no jogo. Foi tarde, muito tarde, fatalmente tarde. Mas porquê? Por que é que isto acontece?

A pergunta que toda a gente tem na cabeça é mesmo essa: porquê? Ou melhor, todos têm a pergunta e quase todos têm a resposta, embora não haja uma palavra do Benfica sobre isso: o Benfica vê a Champions como uma montra para mostrar os seus miúdos e para os poder vender por um bom valor. Uma vez mais, não haveria qualquer problema nisso, caso não estivesse ao vento lá em cima a bandeira do Benfica europeu, hasteada pelo Presidente.

E agora pergunto eu: não será mais fácil vender alguns jovens se a equipa jogar bem, ganhar jogos, chegar longe na competição? Não será mais fácil esses mesmos jovens terem uma produção mais alta se ao lado tiverem jogadores mais experientes e competentes? Eu diria que sim. E ainda outra dúvida: de que vale fazermos uma grande venda (30, 40 milhões) após uma fase de grupo miserável, que não nos trouxe grandes rendimentos financeiros, porque não conseguimos ganhar jogos nem chegar à fase seguinte? Não seria mais eficaz ir buscar esses 30 ou 40 milhões em receitas de vitórias e receitas de passagem aos oitavos de final da Champions? Com a vantagem de continuarmos a poder vender um ou outro jogador por 30 ou 40 milhões, ou mais ainda, porque o prestígio de quem chega longe na Champions aumenta o valor de mercado.

É fundamental que os benfiquistas sejam de vez esclarecidos sobre esta coisa do “Benfica Europeu”. Ninguém vê o Benfica Europeu, ninguém percebeu como é que este Benfica pode ser Europeu se perde contra toda a gente, se é humilhado (como em São Petersburgo, este ano, contra toda a gente, o ano passado, ou em Basileia, há dois anos).

O papel dos benfiquistas é o de aplaudir e estar lá quando é preciso aplaudir e estar lá, e o de questionar, exigir mais, quando sentem que o clube tem de se posicionar de maneira diferente. Em causa não está só uma Champions, está o prestígio internacional, está esta coisa de se perder o hábito de ganhar. Para quem tem memória, é fácil recordar os tempos em que o Benfica raramente perdia fora ou em casa nas competições europeias, e quando caía era quase sempre aos pés dos tubarões do costume, os Barcelonas, Real Madrid, Bayern, Liverpool, Chelsea. O Benfica de hoje perde com toda a gente, não tem jogos simples e afirmativos, qualquer equipa mediana vem ganhar à Luz e nos vence facilmente em casa. E o Benfica não é isto, historicamente não é isto, e, sobretudo, não pode ser isto quando se grita aos sete ventos que vamos conquistar a Europa.

Deixem passar o Maior de Portugal não devia ser um cântico nacional, devia ser um grito de guerra internacional. O Benfica devia ser a bandeira do País, a referência de Portugal, um clube temido por todos, até pelos tais tubarões. Hoje, somos a antítese disso, somos a equipa que faz qualquer adversário esfregar as mãos de felicidade porque lhes saiu o Benfica em sorte num sorteio. E o pior é que quase sempre eles têm razão em esfregar as mãos, porque efetivamente ganham. Até quando?

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