
Não entendo muito bem esta fúria generalizada — uma quase perseguição — contra os maiores youtubers portugueses. Já li alguns textos e posts bastante inflamados de alguns influenciadores, na maioria humoristas, a arrasar de forma indiscriminada quase todos “os youtubers” sem que na verdade expliquem, com exemplos concretos, o que está na base de todo esse descontentamento. O que vejo são generalizações — e o quão perigoso isso pode ser — do género: “Não dizem nada de jeito”, “Só dizem asneiras”, “Dão péssimos exemplos aos miúdos”, “Só fazem coisas estúpidas”, “Ligam uma câmara e põem-se para ali a dizer disparates”, “Só ensinam os miúdos a fazer asneiras”, “Aquilo é tudo menos educativo”, “São irresponsáveis porque levam os miúdos a fazer disparates e a dizer asneiras”.
O meu filho mais velho, o Henrique, tem 11 anos e é fã de quase todos os maiores youtubers. Por isso, e porque profissionalmente tenho de estar por dentro dos fenómenos digitais, há uns três anos que comecei a seguir quase todos os grandes youtubers nacionais, como o D4rk Frame, o Sirkazzio, o Windoh, o Wuant, o Gato Galático, o Pi, o Nurb ou a Sea3Po. No início, comecei a olhar para o conteúdo que cada um produzia unicamente numa perspetiva profissional, a tentar entender o que fazia deles um sucesso, por que é que eram aqueles a ter êxito e não outros. Com o tempo, fui tentando perceber a evolução e o crescimento mais rápido ou mais lento de cada um, quer tecnicamente, quer em número de seguidores, quer no tipo de conteúdo que iam criando. Claro que nesse caminho, nessa análise, passei por vários estados, desde a vergonha alheia até às gargalhadas. Vi coisas muito más, vi coisas muito boas, passei a respeitar mais uns do que outros e formulei os meus próprios juízos sobre cada um deles. E acho que é sobretudo esse trabalho que muita gente não faz antes de julgar “os youtubers”, essa entidade abstrata, antes de os meter todos no mesmo saco, como se fossem uma praga que está a atacar e a corromper a nossa juventude.
É importante que entendamos uma coisa: o papel dos youtubers não é o de educar os nossos filhos. Essa missão é nossa, dos pais. Os youtubers são livres de fazer aquilo que bem entenderem nos seus canais, de dizerem e fazerem todas as parvoíces do mundo, e os nossos filhos devem poder ter acesso a isso, porque para a geração deles ver um vídeo de um youtuber é o mesmo que, para a minha geração, ver um episódio do Dartacão, dos Transformers ou dos Três Duques (que também faziam muitos disparates). O que é fundamental é que os pais não se alheiem por completo dos fenómenos que interessam aos filhos, que vejam os vídeos com eles, que contextualizem as coisas que eles vão vendo, que falem com os filhos sobre algumas coisas que eles veem nos canais de youtube, criticando o que está errado, rindo-se com eles das parvoíces inocentes ou até elogiando coisas bem feitas (porque há youtubers que fazem coisas ótimas).

Nos últimos tempos, uma das conversas recorrentes com o meu filho tem sido a de tentar explicar-lhe que não é um youtuber de sucesso quem quer, mas apenas quem consegue chegar a um nível de topo, e que isso é muito difícil de alcançar. Gerou-se, na geração dele, uma ideia mais ou menos generalizada de que todos podem ser milionários e viver numa casa com piscina só a fazer uns vídeos para o YouTube. Isto até podia ser um mau exemplo para as crianças, mas é importante que partamos disso e tentemos tornar esta situação em algo didático (lá está, nós é que temos este papel). Ainda há dias disse isso ao meu filho. Ele, que ouve em repeat a canção “Dedicação”, gravada pelo Wuant, devia ser o primeiro a entender a mensagem da letra, que fala precisamente da dedicação e entrega que é preciso ter para se conseguir chegar ao nível destes youtubers. Foi isso que lhe expliquei. Não basta dizer que vai ser youtuber, é preciso que entenda que para o ser, e para ter sucesso, é essencial que tenha boas ideias, que seja criativo, que entenda o que é interessante para o público que quer atingir, que crie uma estratégia, que pense em conteúdos para cada vídeo, que os grave efetivamente, que aprenda a editá-los, e tudo isso tira-lhe horas e horas de brincadeira, o que o faz logo torcer o nariz.
Pessoalmente, só conheço um dos grandes youtubers, o Wuant, mas sou amigo de pessoas que trabalham com alguns, que já fizeram campanhas com outros, e a opinião generalizada é a de que são miúdos simples, humildes e muito, muito trabalhadores. Desse lado, efetivamente, fala-se pouco. É muito mais fácil e interessante tentar puxar para baixo quem está lá em cima, derrubar quem tem sucesso, do que construir qualquer coisa nossa com base nas nossas ideias e talento, que foi o que todos eles fizeram. A maior parte destes youtubers tornaram-se conhecidos pelo seu trabalho, por se preocuparem a criar conteúdos de entretenimento (porque é esse o papel deles) para os miúdos que os seguem. A maioria começou do zero, sem receber um cêntimo, a perder horas, dias, meses, anos a construir um projeto sem ganhar nada com isso, que não o feedback de quem ia vendo os vídeos. Hoje se recebem muito dinheiro, ótimo, fico feliz que assim seja, que o mercado pague àqueles que movem mais gente unicamente à conta do seu trabalho (por muito bom ou mau que possa ser, isso dependerá sempre da opinião de cada um).
A mim não me faz confusão nenhuma que os meus filhos vejam os vídeos dos youtubers, que contactem com todos os disparates que eles fazem, porque eles sabem quais são os limites lá em casa, sabem distinguir o certo do errado, sabem o que é uma asneira e o que não é. Não é por verem uma coisa no youtube que vão replicar isso em casa. E se o sabem foi porque foram educados para o saber, e é isso que, para mim, um pai deve fazer, enquadrar, acompanhar, explicar, mostrar, conversar, e não proibir, vetar, esconder. Podem proibir os vossos filhos de ver todos os youtubers que eu digo-vos já uma coisa: a primeira coisa que eles vão fazer quando virarem costas é ver esses vídeos no telemóvel de um amigo ou no computador de um colega.
Continuo a acreditar que os principais influenciadores da vida dos nossos filhos somos nós, os pais. Nós é que somos modelos e referências, e é o nosso comportamento que, no futuro, eles vão julgar e querer, ou não, replicar e passar aos filhos deles.